“Vamos criar um ambiente tão dinâmico que haverá filas de estrangeiros pelo mundo pedindo para entrar em nosso país”. Esta poderia ser apenas uma frase de efeito, dita por um político populista. No caso da Índia, no entanto, a afirmação feita pelo primeiro-ministro da “maior democracia do mundo”, com 900 milhões de eleitores, Narendra Modi, é uma verdade factual. Na esteira do crescimento econômico local, os pedidos para visitar a Índia crescem, em média, 20% ao ano. O PIB do país, por sua vez, expandiu-se a 7% ao ano no último triênio. Para efeito de comparação, a China, referência em ascensão econômica, fechou 2018 com expansão de 6,4% em seu produto interno.
Segundo cálculos do Ministério do Comércio da Índia, estima-se que só nos últimos quatro anos, empresas ocidentais economizaram US$ 200 bilhões em serviços de TI, ao terceirizar projetos para a Índia. Na indústria financeira, o país asiático foi o que mais avançou, em todo o mundo, no desafio de bancarizar sua população.
De 2008, ano da crise mundial associada à “bolha imobiliária” americana, até o ano passado, o percentual de indianos com acesso a serviços bancários saltou de 40% para 80%. No período, o país tornou-se o segundo maior mercado global em número de usuários de mobile payment, com mais de 500 milhões de pessoas utilizando contas virtuais, que só existem em seus smartphones.
De acordo com Tushar Parikh, country head da Tata Consultancy Services (TCS) no Brasil e palestrante do CIAB FEBRABAN 2019, os avanços da Índia no setor financeiro geram insights que podem ser aproveitados pelo Brasil, país com desafios similares aos indianos, já que ambas estão entre as chamadas economias em desenvolvimento. O executivo destaca, por exemplo, a criação, pelo Banco Central daquele país, de um cadastro único nacional de biometria, o que facilitou a identificação de cidadãos e o combate a fraudes.
“Temos mais de 1.900 bancos na Índia, boa parte deles regionais; seria impossível para cada um deles fazer seu cadastro biométrico”, afirmou Parikh. Segundo ele, com a liderança da autoridade pública, criou-se um registro nacional que facilita o reconhecimento de correntistas e a validação de cadastro para abertura de contas. Para o executivo da Tata, a criação de programas sociais de renda mínima, similares ao Bolsa Família no Brasil, também contribui para o avanço, já que muitos cidadãos precisavam abrir uma conta bancária para receber seus benefícios.
O cadastro biométrico nacional permitiu, por exemplo, o surgimento de startups como a FingerPay, que faz a ponte entre pequenos varejos físicos, como farmácias, lojas de conveniência e mercadinhos com bancos tradicionais e bancos digitais. A solução da FingerPay permite, por exemplo, que um correntista vá a uma loja qualquer, valide sua identidade por biometria no caixa, e faça um saque em dinheiro. “Isto permite que áreas rurais, onde não faz sentido econômico instalar muitos caixas ATM, ofereçam meios de as pessoas sacarem dinheiro, o que as incentiva a abrir uma conta, mesmo que só no smartphone”, diz Snapinil Muke, CEO da startup. A empresa de Muke e a loja física parceira são remuneradas, pelos bancos, com um pequeno percentual da transação que, ao final, é menos custoso para o banco que arcar com a despesa de manter um caixa automático em funcionamento.
INCLUSÃO DIGITAL E MOBILE PAYMENT
O grande salto para o avanço dos serviços financeiros na Índia, no entanto, veio graças a um radical processo de inclusão digital, liderado pela Jio Telecom, braço digital do maior conglomerado econômico do país, o Reliance, líder em setores tradicionais, como varejo físico, exploração e refino de petróleo. De acordo com Amrish Bansal, vice-presidente da empresa de telefonia, o grupo investiu US$ 38 bilhões em dois anos para instalar antenas de 4G em todas as províncias do país.
O esforço privado contribuiu para elevar, em dois anos, de 500 milhões para 624 milhões o número de indianos conectados à internet e abrir espaço para o florescimento de uma miríade de serviços digitais, entre eles as carteiras de pagamento móvel, como a PayTM, líder indiana neste segmento.
Criada há menos de 10 anos (fundada em 2010), a PayTM surgiu como opção para viabilizar, inicialmente, compras no e-commerce PayMall, permitindo que milhões de indianos sem acesso a cartões de crédito ou conta corrente em bancos pudessem acessar ofertas do comércio eletrônico. A empresa, então, desenvolveu um aplicativo que serve para armazenar dinheiro, uma carteira virtual. Quem não tinha conta em bancos, então, pedia para um parente (ou amigo) bancarizado trocar dinheiro de papel por créditos no app e, assim, um usuário excluído do sistema financeiro podia fazer compras online.
De acordo com Abhishek Rajan, diretor de operações da PayTM, a ideia inicial de facilitar o comércio eletrônico expandiu-se para, virtualmente, qualquer bem ou serviço. Hoje, as ferramentas da PayTM permitem comprar músicas, alugar filmes em serviços de streaming, emitir bilhetes de trem ou aéreos ou simplesmente comprar um cacho de bananas na feira. Para isso, basta que o vendedor de frutas também tenha um smartphone com o app instalado. A empresa é avaliada em US$ 10 bilhões.
IA E ANÁLISE DE EMOÇÕES
Caminhando para se tornar o primeiro unicórnio (startup tecnológica que alcança valor de mercado de US$ 1 bilhão) de inteligência artificial da Índia, a Fluid AI, investida pelo americano Warren Buffet, é outra estrela na constelação que os indianos chamam de “revolução desconhecida”, já que seus feitos não têm (ainda) a projeção internacional dos processos de inovação que acontecem no Vale do Silício (EUA) ou em Shenzhen, na China.
Entre os produtos desenvolvidos pela Fluid AI que já geram impacto no mercado financeiro local, está a criação de agências bancárias virtuais, que funcionam em shoppings da Índia e atendem clientes como os do State Bank of India. Nelas, telas LED com câmeras e leitores de gestos exibem atendentes virtuais que permitem ao cliente fazer saques em dinheiro, contratar empréstimos ou tirar dúvidas por linguagem natural.
“O algoritmo de nossas agências virtuais é capaz de ler as expressões no seu rosto, perceber se está apressado, nervoso ou aberto a receber uma oferta de produto financeiro”, diz Ramin Aggarwal, 26 anos, fundador da Fluid AI, para quem o uso da tecnologia é uma das formas de prender a atenção dos millennials e apresentar-lhes soluções financeiras.
Se os casos de inovação financeira da Índia seguem pouco conhecidos fora de suas fronteiras, as soluções lá implementadas demonstram potencial para ganhar mercados em centenas de países emergentes.